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Sensibilidade

Amor a arte e compreensão de si

próprio ajudam Renan diariamente

Sensibilidade

*Gatilho: automutilação

“A gente não fala sobre os nossos sentimentos, a gente sente vergonha deles, coloca eles dentro de uma caixinha e finge que nada aconteceu. Eu sempre fui o contrário, sempre fui de falar”, contou Renan Medeiros, de 24 anos, em meio a conversa descontraída. A facilidade de falar e a clareza em expressar sua visão da própria história tornaram a conversa muito amigável e o ajudaram a ter maior controle de si mesmo.

Renan foi diagnosticado com depressão em 2016, quando foi ao psiquiatra. Antes disso, já fazia terapia uma vez na semana, algo que considera que todos deveriam fazer. Após um ano de tratamento com a terapeuta contra agorafobia, distúrbio de ansiedade, muitas vezes ligado a crises de pânico, ele foi ao psiquiatra por perceber que aquele acompanhamento não era suficiente.

“Depois desse um ano, eu consegui me curar da agorafobia com a terapia, mas eu percebi que precisava de ajuda médica especializada. Eu já não tava aguentando mais, então, foi nesse momento que, em uma consulta, eu recebi o diagnóstico de depressão e transtorno de ansiedade generalizada”, lembrou Renan, em fala rápida e segura que o acompanhou ao longo da entrevista.

Ele destacou a importância desse tratamento para ansiedade e da busca pelo psiquiatra naquele momento, explicando que esses ciclos de aflição chegaram a atrapalhar o seu tratamento da depressão. “A minha primeira perspectiva de alta foi um ano depois de começar a tomar remédios, quando a minha psiquiatra disse que eu começaria a diminuir os medicamentos. Eu fiquei super animado, ansioso por aquilo e foi quando eu piorei. Eu tive uma recaída muito grande nessa época, tive que aumentar todas as doses dos remédios, começar com remédios novos e eu fiquei absolutamente frustrado”.

Outro fator que sempre prejudicaram seu psicológico e, consequentemente, seu tratamento, é a pressão dos estudos, por conta de prazos que o deixam ainda mais ansioso: “Essa parte da vida acadêmica e vida profissional sempre foram um certo gatilho pra minha ansiedade porque eu me sentia muito pressionado e sempre me cobrei muito. Eu não tinha necessidade de aparecer e ser o melhor, mas queria ser o melhor pra mim, eu queria me sentir realizado e sentir que estava dando o meu melhor nas coisas que fazia. Só que às vezes eu tinha uns processos de travamento que eu não conseguia fazer nada, então, os prazos sempre pioravam tudo”, contou, em tom de desabafo.

O que ajudou Renan a superar, em parte, essa sensação de vazio sempre foi colocar para fora, de alguma maneira, o que estava sentindo, seja conversando pessoas próximas ou até mesmo escrevendo. Esses amigos foram muito importantes nesse processo pois entendiam seus dias ruins.

“Eu percebi que me fazia muito bem dividir o que eu tava sentindo com as pessoas. E eu passei a compartilhar diversas coisas sobre a minha depressão e minha ansiedade -- inclusive nas redes sociais. Diversas pessoas vinham falar comigo, o que era muito bom, porque pouca gente fala sobre isso e muitos sentem coisas parecidas”.

O que também ajudou Renan em momentos de crise e que funciona como inspiração para a vida é a arte. Nas músicas tristes, sobre amor e solidão, com as quais ele se identificava, ou nas letras sobre superação com histórias inspiradoras, ouvir música é fundamental. “Lana Del Rey me ajudou muito, Florence and the Machine, Marina and the diamonds e Lady Gaga também e de uma forma extraordinária porque ela tem uma história de superação”, revelou ele.

A literatura também inspira muito o jovem que diz que os livros, textos e poesias de seus autores favoritos o fizeram entender melhor a si mesmo e até a valorizar mais a vida como ela é: “a Rupi Kaur, que tem dois livros, ‘Outros jeitos de usar a boca’ e ‘O que o sol faz com as flores’, me ajudou muito e a tenho como espelho. Eu acho que ela trata de sentimentos da vida em geral de uma forma muito crua, muito bonita e muito clara, tanto que eu tenho duas tatuagens de poemas dela e eu me sinto muito representado em seus textos”.

A arte, escrever textos e conversar com as pessoas foram atos naturais na vida de Renan que colaboraram para ele entender que em alguns dias poderia se sentir mal e, ainda assim, conseguir lidar com as fases ruins, contou ele. Além disso, saber o que fazer e ter calma para viver os dias em que a depressão parece estar mais aflorada foi fundamental para seu início de recuperação.

“Alguns rituais, eu fui percebendo ao longo do tempo, também me ajudavam muito. Eu penso: 'estou me sentindo mal, ok, vou ficar aqui meia hora aproveitando esse sentimento ruim, me permitindo sentir isso, depois vou colocar uma música, tomar um banho bem demorado e quente, vou comer uma coisa gostosa, um chocolate e depois perceber que eu tenho que sair dessa situação ruim. Vou conversar com as pessoas, permitir me sentir mal e fazer com que depois de um tempo eu me sinta melhor'”, explicou ele, lembrando, com calma, o que o possibilitou iniciar um processo de normalização da própria doença.

Hoje, Renan não toma mais remédio. As doses diárias foram reduzidas aos poucos fazendo com que ele se adaptasse a vida sem os medicamentos. Esse foi um longo processo que ele mesmo chama de ‘desmame’. “Uns três ou quatro meses antes de realmente parar de tomar os remédios, o médico disse que ia começar o processo de desmame. Eu não posso simplesmente parar de tomar, tenho que começar diminuindo as doses aos poucos para o meu organismo se acostumar. Então, por mais que eu tivesse criado uma expectativa muito grande pra receber alta, era uma coisa que já tava relativamente prevista. Na consulta que eu fui, eu já tinha expectativa de receber alta, mas mesmo assim eu saí de lá chorando”, concluiu ele, emocionado e sorrindo, ao lembrar do momento feliz.

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Todo esse tempo foi de aprendizado. A terapia continua, assim como os momentos tristes e ainda é preciso cuidar da depressão para que as crises não voltem, junto com o “sentimento constante de que você está perdido na vida e que você é extremamente solitário, por mais que existam muitas pessoas ao seu redor”, como define Renan. Por fim, acrescenta com o olhar tranquilo: “O que eu sinto hoje é que, na maior parte do tempo, eu estou bem. Estou satisfeito onde eu estou e com as pessoas que estão ao meu redor. Acho que isso é o melhor”.

Reportagem multimídia produzida por Anna Beatriz Dias, Giulia Belló, Júlia Faber e Juliana Botelho, para Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo/ ESPM-Rio.

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