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Saudade

Após perda da mãe, Paula busca novas

razões na vida

Saudade

*Gatilhos: suicídio e morte

“Eu tenho meus dias, dias que são mais fáceis e mais difíceis, mas os mais difíceis são cada vez mais raros”, conta Paula Lorena Brandão, de 24 anos, que viu a depressão chegar três meses após a morte de sua mãe. Gerou luto, tristeza e um vazio que ela ainda busca compreender, passados dois anos da perda.

“Eu tinha crises de choro de madrugada, um choro de desespero, completamente diferente de qualquer outro choro que você já viu. E durante uma dessas crises, meu pai me ligou. Foi por causa disso que ele falou que eu precisava de ajuda e arranjou um psiquiatra pra mim”, explica ela, que morava apenas com a mãe. Hoje, Paula vive com o namorado, Rafael, com quem conta em todas as horas, desde os dias em que nada dá certo até os momentos felizes.

Em meio às falas calmas, pausadas e pensamentos que iam se organizando entre memórias, ela vai colocando os pontos em seus lugares e tirando dúvidas entre uma e outra visita ao psiquiatra.

“Eu comecei a ir sempre [ao psiquiatra], três vezes na semana. Eu fiquei assim um ano e meio com ele e me dei alta. Falei que não precisava mais de psiquiatra, até que eu comecei a ter convulsões. Eu tive o que chamam de transtorno convulsivo conversivo, durante três meses em que eu tinha três convulsões por dia. Fui evoluindo até que passei a ir às análises um dia na semana, como é atualmente”, explica Paula, que também considera fundamental a busca de um profissional e não entende o medo que as pessoas têm de ir ao psiquiatra ou  psicólogo.

Todo mundo tem problema, alguma coisa que não foi bem digerida, que afeta no dia-a-dia. Todo mundo precisa conversar com alguém que seja imparcial para te ouvir e te fazer melhor. Você sai do psiquiatra mais aliviado de ter colocado aquilo para fora. É muito necessário”, fala com a segurança de quem sentiu a diferença que fez a ajuda médica no dia-a-dia.?

As idas ao psiquiatra não só ajudaram no processo de assimilação da doença, no entendimento de si própria, como também intensificaram seu amor por escrever. Ela diz que sempre amou escrever e que essa é a forma mais fácil de explicar seus sentimentos.

Paula fazia faculdade de jornalismo, quando sua mãe morreu, mas a depressão fez com que ela trancasse o curso para cuidar de si: “eu ia começar a segunda parte do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), que era sobre o estado islâmico, ou seja, sobre mortes e pessoas decapitadas e eu não queria mais esse tema, não queria mais ouvir falar sobre mortes”, conta. 

Deixar de estudar também não foi fácil, disse ela, com o olhar vagando pela sala de sua casa, onde contou sua história de forma tranquila. “Desde então, eu passo os dias em casa, fazendo nada. As vezes faço o TCC, troquei o tema por algo mais tranquilo e não tenho feito absolutamente nada, além disso. As vezes eu não sei que dia da semana é, meu pai me banca para eu fazer nada e é muito difícil, mas também se tivesse, eu não estaria fazendo bem”, diz a jovem.

Todo esse tempo em casa e muitas vezes sem vontade de fazer nada, Paula chegou a ter pensamentos suicidas, que ela prefere chamar de pensamentos ruins, que levaram a situações extremas, que ela lembrou com a voz fraca.

“Seis meses depois que a minha mãe morreu, eu não vi mais razão de viver. Foi bem simples assim, não tinha razão. Aí eu estava morando com o Rafa já, eu levantei da cama, andei até a varanda e ia me jogar porque não tinha mais razão. E ele acordou com o barulho de abrir a varanda, me puxou forte e me segurou. Ficou gritando ‘o que você tá fazendo, o que você tá fazendo, o que você tá fazendo’, ele entrou em choque porque viu o que eu ia fazer. Eu não sabia responder, não tinha resposta”, confessa, com os olhos marinados ao olhar para o namorado.

Ela conta que essa não foi a única vez que episódios como esse aconteceram. Mergulhada em lembranças, com a ajuda do namorado relembrou momentos ruins e a busca por fugir dos seus “pensamentos ruins”.  

Sinto saudade do colo, do amar incondicional.

Sinto falta das brigas, das discussões, das respostas mal-criadas.

Sinto falta do biscoito, do brigadeiro, do empadão.

Sinto falta do cheiro, do perfume, do toque.

Sinto falta da sua voz, dos seus conselhos, dos comentários engraçados e inoportunos.

Sinto falta de você.

Texto de Paula Lorena sobre a falta

“Eu tento me distrair assistindo séries, coisas na tv mas tenho um seríssimo problema que é não gostar de assistir coisas novas. Meu psiquiatra falou que isso tem a ver com o fato de eu não saber como termina e ter medo do incerto. Tenho medo de ver um filme novo e não gostar da forma como vai acabar, então eu assisto 20, 30, 40 vezes o mesmo filme, são sempre animações”, conta ela, que diz que essa é uma forma de não pensar na mãe, não pensar em problemas, passar um tempo sem pensar em nada.

Além dos filmes, dos textos e das consultas com o psiquiatra, Paula também contou que toma remédios, três remédios, dentre eles, um antidepressivo e dois ansiolíticos. A definição do remédio mais adequado ao tratamento foi um processo difícil. Demorou até encontrar qual seria o ideal e teria o melhor efeito: “já tiveram muitos efeitos colaterais. Eu já vomitei muito, tive tontura, fraqueza e diarréia. Além disso, qualquer coisa me distraia. Eu tive que tomar ritalina por causa dos remédios”, afirma.

Todo esse processo pode ser longo e delicado, por isso é importante que informações sobre a depressão cheguem até as pessoas de forma razoável e representativa, explica Paula, que diz que é preciso mostrar a depressão por seus diferentes lados: “não é um bicho de sete cabeças, já vi vários vídeos que a pessoa anda com um monstrinho e esse monstrinho impede a pessoa de fazer as coisas. Durante a depressão, eu arranjei um emprego e eu conseguia ir trabalhar, não posso dizer que era fácil, mas ninguém no emprego sabia que eu tinha depressão, só a minha chefe”, relata, fazendo questão de destacar que é possível lidar e que ninguém fica 100% deitado na cama, existem dias bons em que coisas maravilhosas podem acontecer.

O controle dos remédios e o balanço entre esses dias bons e ruins só são possíveis para Paula por causa do carinho de seus gatos e de Rafael, pilares que a mantém de pé, segundo ela.

A história com os gatos é longa. Paula tinha apenas um gato, Morgan, que ficou a entrevista inteira ao seu lado, entre trocas de carinho genuínas. No primeiro dia das mães sem sua mãe, ela adotou o segundo e, como gosta de dizer, tudo culminou para que Morgan tivesse cinco irmãos, que tomam a casa e lhe dão mais motivos para viver.

“Quando eu to perto deles, é outro mundo. Primeiro que eu me sinto amada e isso é muito importante. Quando você se sente sem chão, está em um período de depressão pesada, você se sentir amada por um ser que você salvou a vida é muito importante. Eles dormem comigo na cama todos os dias”, conta ela, “não tem coisa melhor do que ter os meus seis filhos”.

Reportagem multimídia produzida por Anna Beatriz Dias, Giulia Belló, Júlia Faber e Juliana Botelho, para Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo/ ESPM-Rio.

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