top of page
Insegurança
Insegurança

A solidão e a dificuldade de socialização

sob o olhar da depressão

*Gatilhos: suicídio, morte e bullying

“Eu tinha sentimentos ruins, eu sentia tristeza e todas essas coisas, mas eu sempre tentei guardar muito e não falar sobre isso. Só que essas coisas que passavam pela minha cabeça foram piorando, porque eu fui crescendo”, diz Camila Taparica, jovem de 21 anos, sobre a depressão.

O relacionamento difícil com família e amigos somado à depressão que sua mãe tinha dificultaram a interação social de Camila, que enfrenta problemas psicológicos desde criança. É complicado para ela definir quando isso começou, mas o suicídio de sua mãe,  há 5 anos, fez com que ela buscasse ajuda profissional para lidar com seus sentimentos.

“Eu tinha problemas familiares. Minha mãe tinha transtorno bipolar, ela tinha fases maníacas e fases depressivas, então eu sabia bem o que era depressão. Eu sempre coloquei na minha cabeça que eu não queria ser daquele jeito, porque eu não queria ser tratada como uma ‘pessoa maluca’, como dizem. Eu não queria sofrer preconceito das pessoas. Ai eu fui deixando para lá essas questões”, conta ela, entre olhares perdidos e fala ansiosa de quem precisa falar sobre o assunto.

Desde a época da escola, Camila sofreu bullying pela dificuldade de fazer amigos e por causa de sua aparência, diz ela, explicando os altos de baixos da mãe e o quanto isso a prejudicava psicologicamente. “Desde criança quando eu estava em volta dos meus amigos, eu não pertencia a aquele lugar. Alguns pensamentos vinham na minha cabeça, tipo ‘o que eu estou fazendo aqui?’ ou ‘qual é o sentido de estar aqui’. Eu percebia também que eu estar ali não fazia diferença”, revela.

Após o suicídio da mãe, a família, muito apoiada pela religião, tentava consolá-la de forma que confundia a depressão com o luto, sem entender exatamente o que ela estava sentindo. “Eu sempre coloquei na minha cabeça que as coisas iriam melhorar, porque me diziam que eu era uma menina inteligente e que se eu estudasse e corresse atrás dos meus sonhos, tudo melhoraria”, explicou com fala enrolada, mostrando que a ansiedade e a rapidez das memórias não a permitiam organizar as palavras.

Camila sempre teve os estudos como fuga. Essa era a forma de tentar esquecer os problemas, tanto o sentimento de luto quando a dificuldade social de fazer amigos. Foi dessa forma que ela passou para a Uerj, mas, mais uma vez, quando ela achava que ia ficar tudo bem e a vida iria se organizar, a experiência não foi como ela pensava.

“Quando eu entrei na Uerj, eu percebi que tudo era totalmente o contrário do que eu esperava. Eu comecei a tirar notas baixas e mesmo estudando muito eu não via resultado, então eu deixava de sair e fazer coisas que eu gostava para ir bem na faculdade porque aquilo significava muito para mim. Isso começou a me deixar doente, porque o que me fortalecia, que era a minha inteligência, eu descobri que eu não tinha. Na verdade eu tenho, todo mundo tem, mas ninguém precisa ser bom o tempo todo. Eu descobri isso agora”, relembra ela, com a voz mais fraca e carregada de reflexão.

“A faculdade é um ambiente muito tóxico em relação a professores, pelo menos na minha faculdade existem professores que cobram os alunos em um nível muito extremo. Isso acaba deixando o nosso psicológico pior”, conta, citando os maiores problemas com relação à universidade. Ela fala que a mudança do espaço não a ajudou a fazer amigos, também, já que se considera muito tímida e retraída. Tudo isso fez com que ela não conseguisse manter o ritmo de estudos, pois faltava apoio emocional.

Gesticulando e buscando olhar para um lugar fixo para tentar organizar os pensamentos, Camila lembra: “Eu tive uma crise de depressão esse ano. Eu não conseguia estudar, eu me forçava a sair de casa e levantar da cama. Eu tive pensamentos suicidas o tempo inteiro, eu me afastei das redes sociais achando que iria melhorar, porque as redes sociais me deixavam muito para baixo”.

Em um de seus dias ruins na faculdade, Camila teve uma crise e chegou a pensar em suicídio. “Eu estudo no quinto andar e eu olhei para baixo e pensei como seria cair de lá de cima. O quinto andar ainda é muito baixo, então eu teria que ir para o décimo segundo, mas quando isso passou pela minha cabeça, eu entrei em desespero. Um lado de mim pensou por que eu estava pensando em fazer aquilo. Nisso eu comecei a chorar e fui para o térreo”, revela.

Ao chegar no primeiro andar, Camila conta, em meio a pausas que a impediam de fazer raciocínios completos, que ficou imóvel, chorando e não sabia o que fazer, estava confusa com o que tinha acabado de acontecer. Nesse momento, um menino parou e começou a conversar com ela para entender o que tinha acontecido.

“Quando eu olhei para ele, eu vi marcas de mutilação no seu braço. Então, ele provavelmente me entendeu naquele momento e resolveu me ajudar. Eu acho que só quem passa por isso sabe como é a sensação, porque as outras pessoas me ignoravam”, lembra.

Diante dessas crises, Camila foi até grupos de apoio da faculdade, mas não acha que é o suficiente. Enquanto isso, ela vai ao psicólogo uma vez por semana, onde foi direcionada para um psiquiatra. A estudante já está na fila do SUS para a consulta.

Dentre as dificuldades de ser atendida e o apoio dado pelos familiares e psicólogo, Camila critica as redes sociais, explicando que fazem mal para o seu tratamento e que geram conflitos internos. Ela explica que as redes sociais são parte do seu cotidiano e da maioria dos jovens, então não há como não ser influenciado de alguma forma, seja positiva ou negativa.

Ao mesmo tempo, a jovem viu as redes sociais como um caminho de reflexão. Ela tinha o costume de postar stories no Instagram desabafando sobre seus problemas e, impulsionada por respostas positivas, resolveu criar um canal no Youtube. Para ela, não era para ganhar relevância a ponto de ser profissão, mas para ajudar alguém que esteja sofrendo os mesmos problemas e se identifique.

“Eu não tenho muito tempo pra editar vídeo e postar, mas quando tenho um tempinho livre eu gravo rapidinho, em um outro tempinho livre eu edito, e assim eu vou levando. Se as pessoas gostarem e ficarem felizes com isso, eu também fico porque se eu puder ajudar algumas pessoas, é muito bom”, conta, de forma mais leve e confortável, mostrando que percebeu que ao longo do tempo o canal também a ajudou: “Se eu estou sentindo alguma coisa naquele momento e eu gravo, sinto que melhora depois, melhor do que ficar guardando. Também me ajuda a melhorar isso, não é algo que eu sei que vai me curar, mas é algo que me ajuda e eu continuo fazendo”.

Hoje, Camila entende melhor a depressão e sabe que precisa de acompanhamento psicológico para viver de forma mais saudável. Para ela, é difícil falar exatamente sobre a doença pois acha que cada pessoa reage de um jeito e depende da cabeça de cada um.

“Eu acho que a depressão é a gente não ter amor por si mesmo, só que isso é manifestado de formas diferentes em cada pessoa. Eu consigo sair de casa, fazer as coisas normais, mas colocando uma máscara no meu rosto e em muitos momentos eu finjo que está tudo bem. Em outros momentos, essa máscara meio que cai, e eu não consigo levantá-la”, conclui Camila.

Reportagem multimídia produzida por Anna Beatriz Dias, Giulia Belló, Júlia Faber e Juliana Botelho, para Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo/ ESPM-Rio.

bottom of page